A minha avó nasceu em tempos difíceis. Cresceu à luz de candeias, e a par dela cresceram os seus sonhos. A minha avó era pequenina quando aprendeu a costurar. Cada peça de roupa que fazia, dos retalhos que restavam, e que depois vestia, eram bocadinhos de sonhos também. Tinha calos nas mãos das agulhas e dos cântaros, que carregavam a água que chegasse para os cozinhados e banhos do dia. A água da chuva, guardavam-na para regar os campos nos tempos mais secos. A minha avó dizia que o almoço e o jantar eram colhidos do campo, e que a carne, só a via em dias de festa. As panelas, as louças e os panos eram tratados com amor, e duravam mais do que uma vida.
E entre as idas ao tanque com os irmãos, à mercearia a granel, às casas dos vizinhos trocar livros e fruta, a minha avó cresceu. E teve a minha mãe e os meus tios, ao lado do meu avô. A minha avó dizia que os sonhos não se fazem de coisas de pegar com a mão, mas que podemos deixar bocadinhos de sonhos nas coisas que fazemos. A minha avó ensinou-me que aquilo que eu tenho, o pouco que seja, não preciso de muito mais. E que a vida é isto de ir e voltar.
O que a minha avó não sabia é que, às vezes, a vida dá voltas sem nos avisar. E que hoje, o campo, a terra, a água da fonte, a chuva, os tachos velhos e os restos de pano sentem a sua falta. Porque depois dela e dos vizinhos, os de agora não os tratam tão bem. Hoje gostaria que a minha avó estivesse cá, e que me ensinasse a costurar. O que vale é que as agulhas dela, tal como todas as suas coisas, foram usadas com amor, e essas duram mais do que uma vida.
Rute Castro
Bio: Sou uma pessoa de muitas ideias. Acredito na relação entre o amor e a sustentabilidade, na preservação do Planeta Terra para as gerações futuras, e procuro que cada passo que dou contribua para um mundo melhor. Tenho formação em Jornalismo e Comunicação e a minha grande paixão é escrever. Atualmente a terminar um curso de Marketing Digital.
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